quinta-feira, 16 de abril de 2009

MAIS UMA CRÔNICA DO AVAIANO SCR


O FIEL TORCEDOR
Torcedor que é torcedor só é fiel ao seu time. Mas nunca lhe peçam coerência, conformidade com o mundo real, conexão com a lógica. Fiel à sua própria volubilidade, muda tanto de opinião quanto um político de partido.
Torcer não é verbo que tenha a coerência como complemento: é apenas a maneira apaixonada como o aficcionado distorce as coisas, ou desvia a realidade do seu curso.
O torcedor Nelson Rodrigues era tricolor de coração - e padecia de grave miopia, enxergando apenas um terço do que enxergaria um torcedor visualmente sadio. Mas se não tinha boa visão, imaginava o jogo, torcendo-o. Psicanalista da alma brasileira, Nelson diagnosticou nossa torcida com exata precisão:
— Em futebol, só uma coisa é certa: o torcedor esquece facilmente, como os índios e as crianças...
Uma das potências do futebol brasileiro é o torcedor. Parece um pobre diabo, indefeso e desarmado. Ilusão. De fato, ele possui uma arma irresistível: o palpite errado. O Avaí perdeu para o Joinville. Já classificado, jogou como aquele funcionário público que coloca o paletó nas costas da cadeira e pega um cineminha às quatro da tarde.
— Perdemos quando podíamos perder... Na finalíssima é que não pode.
Ainda mais num campeonato de regulamento instável, em que o mérito não é reconhecido. O jurisconsulto que imaginou esta fórmula deveria ser nomeado para a Corte Internacional de Haia como "o Rui Barbosa do futebol". Pelo seu invento, um time pode perder o primeiro turno, perder o segundo, perder o quadrangular (ficando em segundo) e ainda assim disputar a final. Com uma vitória em casa e um empate no jogo de volta, acabaria campeão...
Meio desligado, o torcedor não percebe o perigo. A tal derrota burocrática para o Joinville pode ter fornecido oxigênio a um adversário encardido numa final. A derrota assimilável transformar-se-ia no chamado crime, que é o outro nome da zebra no futebol. O torcedor não se abala. Este ser, acima de qualquer juízo, acredita que o Todo Poderoso estará sempre de plantão pelas suas cores. Sendo um fiel - e um fiel apenas ao seu obsessivo pavilhão - o torcedor é , como Fernando Pessoa, um dissimulador "que finge não sentir a dor que deveras sente".
E se o Avaí acabar campeão, como merece, por ter empreendido a melhor campanha, o torcedor - fiel subirá aos céus para comemorar um feito que há 11 anos não abençoa a fronte do Invicto do Rio Tavares. O azul e branco não perde na Ressacada há um ano e três meses. Em casa, o azurra é o Invencível do Brasil - como proclamam os seus fiéis, com aquela facilidade de inventar proezas que é o apanágio de todo "torcedor/distorcedor", razão de ser do futebol.