Vento, Avaí e o Olimpo
Sérgio da Costa Ramos
Dividi minhas madrugadas entre torcer para improváveis medalhas de ouro e acompanhar o futebol - com foco (como se diz, no jargão do futebol) na epopéia avaiana rumo à Série A.
Primeiro, pedi a Deus que ajudasse as meninas do Brasil a conquistar o ouro no futebol. Elas derramaram no Estádio dos Trabalhadores, em Pequim, todo o seu suor e arte. Dominaram o jogo por longos 120 minutos. Mas, por um capricho dos deuses do Olimpo, a medalha de ouro lhes foi cruelmente negada, subtraindo de Marta & Cia. o prêmio mais do que merecido. As divindades do esporte exibem, às vezes, preferências perfeitamente insensatas, como o ouro dado às americanas - praticantes de um futebol feio e robotizado.
Depois, dizem que Deus é brasileiro. Se fosse, não teria permitido o desencanto de Marta:
- Meus Deus, no que foi que errei?
Só não posso dizer que o Senhor não é paciente. Minha carteira de pedidos aos Céus é francamente "abusiva". Para compensar o futebol, roguei ao Senhor que desse ao Vôlei masculino o mesmo ouro que abençoara Paula Pequeno, Fabi, Waleska, Mari, Sheila e Fofão. Em pura perda. Deus, não somente ignorou o meu apelo, como deu aos EUA um nítido 3 a 1, em que foi incontestável a superioridade americana.
Descobri que Deus não estava "nem aí" para o Brasil nesta Olimpíada. Para uma delegação de quase 280 pessoas, sendo 40 "cartolas", o Brasil passeou em Pequim a bordo daquela máxima "demodée" do Barão Pierre de Coubertin:
- No esporte, o importante é competir...
Tudo bem. Mas que os atletas ao menos deixassem derramado o seu suor no campo das batalhas, ao contrário da preguiça exibida, sem qualquer pudor, pelo futebol brasileiro, na sua ridícula atuação contra a Argentina.
Freqüentemente envio preces a Deus e aos santos, para que socorram meus times de futebol.
Nem sempre Eles me atendem, até porque as outras torcidas também rezam - com maior contrição e virtude, suponho. Acho que o Todo-Poderoso não gosta muito de se comprometer com a paixão dos estádios, até porque das arquibancadas se desprendem amor e ódio, em iguais proporções.Nelson Rodrigues, esse "Papa" das paixões humanas, advertia:
- Torcida é paixão, é euforia, é fúria, é embriaguez. Ninguém vai de fraque e monóculo a um campo de futebol. Ao começar uma partida, a saliva começa a engrossar na boca. E pende, grossa e elástica, como o suor dos cavalos.
Compassivo, o Senhor não deixou de comparecer à Ressacada na noite de sexta-feira, noite de "Velho Vento" - o eólio avaiano que, de vez em quando, entra em campo com o Avaí, para jogar junto com os atletas.
Eu já sabia que Cruz e Sousa, o lendário simbolista, craque como Mallarmé e Baudelaire, era avaiano "roxo". Desde que o sublime negão marcara um gol com a perna do "vento", em tabelinha com o artilheiro Evando, em 2004. Agora, o parceiro escolhido foi ninguém menos que o goleiro Eduardo Martini, que há de ter ouvido o segredo:
- Manda um balão alto, que o "Vento Sul" dará bom rumo...
O gol do vento, personificado por Cruz, confirma o crítico Roger Bastide:
- Cruz e Sousa é "um místico", "um transcendente".
Logo, um competente "demiurgo", ou seja, um excelente meia-de-ligação com Deus.
Resumo: o "Homem" é alviceleste, por óbvio, e nosso Cruz é o novo reforço do técnico Silas, rumo à Série A, sem escalas no Purgatório.