quarta-feira, 9 de abril de 2008

MAIS UMA CRÔNICA SOBRE O CLÁSSICO

A PROIBIÇÃO DAS CORES
de Amílcar Neves

Há pessoas que exultam com a proibição de livros. Chegam a pedir a interdição de uma obra mesmo sem jamais tê-la tido nas mãos: para essas pessoas, bastam-lhes apenas duas ou três frases a respeito do livro publicadas em jornal. Ou uma mensagem de alguém contando que viu o livro e dele não gostou. Pudicas, causam-lhes incômodos e mal-estares estarrecedores deparar-se com um palavrão impresso (ou saber da sua existência no livro), como se nunca o houvessem pronunciado nem, sequer, escutado. Comprovam, assim procedendo, que a palavra impressa ainda é extremamente poderosa. No que têm sobras de razão, pois, uma vez escrita, ela não se desfaz mais, ao contrário da palavra falada, que persiste apenas na memória: mesmo quando gravada por algum dispositivo qualquer, a palavra dita não pesa tanto quanto a palavra escrita, quanto a mesma palavra impressa em tinta preta sobre papel branco.

Por vezes, tais pessoas encontram juízes que agasalham suas teses e mandam proibir o livro de circular e de ser lido.

Em outras ocasiões - o que dá na mesma e deságua na mesma atitude -, essas pessoas se incomodam com a análise de fatos históricos documentados, ainda que eles tenham ocorrido há 60 ou 90 anos, e partem para a ofensiva: ofendidíssimas, pedem sua cassação e, às vezes, encontram juízes que determinam a proibição do livro, mesmo abstendo-se estes da tarefa por demais tediosa e aborrecida de ler a obra. Para tais pessoas - e para tais juízes -, a História e as biografias só se fazem de frases laudatórias e comentários acríticos. Contaminados todos, sem dúvida, por uma literatura hagiográfica que circula por aí, feita de "biografias autorizadas" - como se estas fossem verdadeiras (ou as únicas verdadeiras, vá lá: uma meia verdade pode ser considerada uma verdade?).

Nestes termos, como falar de Hitler ou dizer que Pedro I tinha um caso extraconjugal com a Marquesa de Santos sem atiçar a ira santa dos seus devotados descendentes? Vai que algum deles encontre um juiz que se apiede da dor familiar? Danam-se o livro e o seu autor.

Mas há também as cores, e estas igualmente incomodam e ofendem. A solução, então, é, da mesma forma, proibi-las. Assim, quando o Avaí jogar no estádio do Figueirense, suas cores azul e branco não poderão ser usadas pelos torcedores que forem ao campo adversário. Isto não impede que a turma de casa abuse do preto e branco da camisa do seu time. Afora a circunstância de que à torcida adversária é reservado, cercado e policiado um espaço próprio em todos os jogos de futebol (e sempre, claro, o espaço de pior visibilidade possível do que se passa no gramado lá embaixo), o que por si já define quem é quem, passa-se a conviver com uma peculiaridade: quem não estiver de preto e branco será, forçosamente, torcedor do Avaí.

Imagina-se que no próximo jogo o pessoal use a tecnologia, essa comunicação rápida, fácil, barata e instantânea propiciada pelas intenets e orkuts disponíveis em qualquer lan house por aí, e combine que a torcida vai toda de amarelo. Proibido o amarelo, no outro jogo irão todos de vermelho. Vetadas as cores do arco-íris e todas as suas combinações imagináveis, será dada a senha para que os torcedores do azul e branco compareçam ao estádio adversário vestidos integralmente de preto, sem qualquer vestígio de branco na roupa.

O que ainda incomoda muita gente nessa história toda é como aceitar, nestas tardes luminosas de outono, jogos no Figueirense (mesmo que não seja contra o Avaí) com esse céu azul vibrante e suas nuvens de algodão, embaladas pela brisa, a flutuar lá no alto.