segunda-feira, 19 de maio de 2008


MAIS UMA BOA CRÔNICA DO AVAIANO

Sérgio da Costa Ramos

O futebolês corrente


O futebol vive de jargões mais espancados do que um centroavante "matador" ou um meia "habilidoso". Quem sabe jogar, apanha - tanto no "português" como na entrada do zagueiro brucutu.


Futebol já foi um "jogo pra homem". Hoje as mulheres não só jogam muito bem o velho esporte bretão, como o praticam com menos violência e muito mais beleza. Principalmente se a Marta está em campo e Deus a "abençoou".


Não há jogador agnóstico - ou seja, aquele ser humano que ignora a existência de Deus. O "Senhor" entra em campo todos os domingos e veste o uniforme de todas as equipes, com a possível exceção do meu Avaí, um deserdado pelas chuteiras do bom misticismo.


É só perguntar ao artilheiro, como é que ele fez o gol. E ele responderá, com a aquela proverbial "originalidade":

- O centro veio alto e eu pude me antecipar ao goleiro, cabeceando no cantinho. Deus me abençoou e pude ajudar os meus companheiros.


Deus é mais invocado nos gramados do que na Missa das Dez. É só observar o número de atletas que se persignam antes do jogo começar, num prodigioso sincretismo, em que se misturam a fé cristã, as mandingas e outros ocultismos. Não é raro o goleiro beijar a medalhinha, se benzer três vezes e dar três batidinhas com a chuteira no pé da trave:

- Oxalá, mangalô três vezes!


É o Deus genérico do futebol, católico, protestante ou nagô. O "Todo Poderoso" entra em campo para ajudar os seus times, segundo o depoimento expresso pelos craques em campo:

- Vamos fazer tudo o que o "professor" pediu e se Deus quiser vamos conquistar os três pontos...


Se Deus não quis, não foi só porque o matador "matou" de canela e a bola foi pela linha de fundo. Foi porque o "professor" também não quis, adotando uma retranca feroz, em que "marcação" é a nova palavra de ordem do futebol e das raras variantes do seu jargão:

- Pega, pega... Diminui...Diminui...


Quando faltam os espaços em campo, nem com a ajuda de Deus. E o jogo acaba num frustrante 0 a 0, como até o diabo não gosta.

O repórter corre à beira do campo para entrevistar o craque:

- E, então, o que é que faltou pro time encontrar a vitória?

- A gente correu, até que se esforçou, mas acho que faltou foi um pouco de atitude...Atitude. Mágico ingrediente. Ou seja, faltou postura, disposição, propósito - ou, como reza o jargão corrente..."foco".

- Não entramos muito "focados" e o adversário se aproveitou pra fazer o gol.Faltou "atitude" e isso explica tudo,

Mas, "com certeza" - expressão que é a muleta de todo o perneta do futebol - no próximo jogo, "se Deus" quiser", vamos voltar com a atitude vencedora e , "se Deus quiser, vamos sair com os três pontos".- O negócio agora é "trabalhar" durante a semana para o Senhor nos abençoar...Com certeza, o "futebolês" simplifica tudo. É só ter atitude.


Já imaginaram se o "futebolês" emprestasse as suas místicas soluções para o "politiquês"?Aí, poderíamos testemunhar entrevistas bem menos dissimuladas e muito mais objetivas:

- O senhor (deputado, prefeito, senador) sabe por que a licitação não saiu?

- Faltou "atitude"!

Mas se Deus quiser e o Tribunal de Contas deixar, a obra sai já no próximo jogo, com aquela tradicional comissãozinha...