domingo, 6 de abril de 2008

MAIS UMA CRÔNICA SOBRE O CLÁSSICO



Recebo do amigo avaiano André Tarnovsky e passo pra vocês.

O PLACAR ELETRÔNICO
(Mini-Fábula)
Roberto da Silva Costa

Era uma vez um Placar Eletrônico, que fora construído com muito carinho, por uma agremiação. Uma vez pronto, pintaram-no com a cor das trevas e instalaram-no num local elevado do estádio, razão pela qual ele adquiriu um ar imponente, detalhe que fez aumentar o orgulho do populacho afinado com a dita agremiação.


Entretanto, nem tudo eram flores para o pobre engenho, ele tinha problemas insuspeitados, com os quais sofria e remoía silenciosamente, haja vista que não tinha como queixar-se deles aos técnicos que o haviam concebido. As limitações eram o seu fraco. Invejava principalmente os robôs, que - a contrário dele, um equipamento estático - podiam locomover-se.
Mas, com muito esforço, conseguira identificar o populacho que o prestigiava, aquela turba agitada que reverenciava nas roupas a cor preta, sua própria cor. Passou então a invejá-los, a sonhar com um dia em que pudesse sambar no meio deles, pular, usar camisa pornográfica, acender sinalizador e ter a mídia alugada a seus pés, abafando suas mazelas. Mas isso era apenas sonho, sonho inalcançável, ele não se deixava iludir, sabia-se definitivamente um artefato estático.


Aos poucos, porém, foi se resignando e até encontrando alegrias pelas meras atenções que recebia em dias de jogo e pelo simples fato de sentir-se útil. Podia-se dizer que era quase feliz.
Eis que, numa semana de outono, a desusada movimentação no estádio disse-lhe que algo especial estava por acontecer. Colocou em estado de alerta todos os seus circuitos eletrônicos, todos os seus chips, e conseguiu captar uma palavra que, de tão pronunciada, pareceu-lhe muito importante: 'Clássico'. Forçou mais a atenção e captou o total da mensagem importante: 'Domingo é dia de clássico'. Deixou-se contagiar pela emoção reinante e, tocado de ansiedade, passou a torcer para que o domingo chegasse logo, acreditando que nesse dia tão especial, O DIA DO SEU PRIMEIRO CLÁSSICO, pudesse atingir um estado de plena felicidade.


Então, o clássico chegou e ele encheu-se de júbilo. A sua turba ocupava quase todo o estádio, o que confirmava a suspeita de que estava diante de um acontecimento realmente especial. Sentiu, no visor, acenderem-se o nome de sua agremiação e o do adversário e sabia que ali seriam registrados cada gol assinalado no jogo. Alguma grande alegria estava perto de acontecer, ele acreditava. Mas os minutos foram passando e nada de gol acontecer, até que aos 32 sai o primeiro, e um comando elétrico irreprimível registra no seu próprio visor o número um, cruelmente ao lado do nome do adversário. Ele procura desesperadamente entre os recursos de seus chips uma forma de apagar aquele incômodo dígito, ou de repassá-lo para sua agremiação, mas nada encontra. Sonha com uma lagartixa na tomada, tenta ele próprio provocar um curto circuito, um hara-kiri eletrônico, e nada. Do outro lado a turba zebrada, enlouquecida e babando, quer quebrar tudo.


Como se não bastasse, minutos depois, um novo gol e o impulso eletrônico, de novo, sem que ele possa impedir, registra o número dois ao lado do nome do adversário. Seu visor se enche de lágrimas e ele diz baixinho, com seus botões:

- É triste admitir, mas O PRIMEIRO CLÁSSICO, A GENTE NUNCA ESQUECE.