AUTORIA: Sérgio da Costa Ramos
Vesti Azul
Os avaianos caiaram a alma de azul e foram, também simbolicamente, ao Scarpelli, desmanchar um tabu de 20 anos.Hoje as torcidas do "visitante" ficam confinadas num "curralito" equivalente a 10% do espaço das praças esportivas. E não podem vestir as cores do seu time. Em tempos menos conflagrados, os ritos do futebol imitavam a guerra. Agora, parece que a própria guerra resolveu se exprimir através do futebol - que deveria ser só um esporte divertido, mas que envolve paixões escondidas lá nas cavernas do "Id".
Não vou enganar ninguém: sou Avaí e, portanto, não serei imparcial. Mas prometo ser civilizado. Pela primeira vez, em muitos anos, o Avaí tem, sim, um time melhor do que o Figueira. E mereceu vencer o clássico. Jogo disputado com o ânimo de Esparta - quando deveria ser uma luta ateniense, com um juiz e com regras bem definidas.Ocorre que o futebol deixou de ser um esporte: é uma guerra sem quartel pelo "resultado". Não importam mais os meios - é preciso vencer.
Nos velhos tempos do Adolfo Konder, o "Pasto do Bode", ainda havia alguma temperança e moderação - mas também havia grandes "rasga-roupas" entre as torcidas e entre os soldados em uniforme. Nizeta e Saul de um lado, Trilha e Danda de outro. Nas quitandas que cercam as tribos do futebol - sejam as que fornecem cerveja ou "filé-miau" - não se compram fair-play e boa educação. Na Inglaterra, os "Hooligans" foram derrotados pela tecnologia. Câmeras de tevê, cadastros digitais, justiça ágil. Os encrenqueiros foram banidos dos estádios "for life", para sempre. E dia de jogo de seu time, os que não estão presos por crimes "de sangue", obrigam-se a comparecer à delegacia do seu bairro pelo tempo que durar a partida. Do jogo, sabem só o resultado, isto se o "sargento de plantão" cometer a delicadeza de informar. Se não, só no telejornal da noite.
Aqui, venceram os "decepadores de mão". Por eles, pagam todos os justos, que são a maioria. Daqui em diante não haverá mais clássicos: só "ajustes de conduta", durante os quais será pactuado:
- Que os torcedores assistirão ao jogo sem camisa. Estará terminantemente proibido o uso das cores dos seus clubes.
- Que os jogadores usarão camisas "furta-cor", que é a consagração da falta de cor, exatamente pelo abuso de todas elas.
- Que cada time terá direito a fazer um gol, mas nenhum dos lados terá o direito de comemorá-los.
Todo clássico terminará empatado em 1 a 1, que é o placar oficial recomendado pelo Ministério Público para os jogos de grande público.Antes que um "ajuste de conduta" determine - , como faria o "Grande Irmão" no romance de George Orwell ("1984") - por qual time este escriba deva torcer, comemoro a vitória do meu Avaí vestindo azul - para que nossa sorte mude no campeonato.
O clube - que tem nome de "batalha" - jamais chegou a um título sem percorrer, antes, o seu Calvário particular. Para o Avaí, o caminho mais curto entre dois pontos não é, definitivamente, uma linha reta. É um ziguezague errático, oblíquo e surpreendente. Outro dia, por exemplo, vendo o jogo na tevê, irrompeu em mim a "precisão" de um xixi. Voltei em exatos quatro minutos. Antes da primeira gota, o Avaí vencia por 2 a 1. Quando voltei, tínhamos perdido o turno por 3 a 2... Sobrevivemos. Não foi à toa que o nosso campeonato brasileiro (da terceirona - mas, e daí?) mereceu o meu registro em verso:
O que é que sendo azul e branco,
Às vezes esperto, outras vezes manco,
"Faz Coisa"
na Costeira do Pirajubaé?
Até quando perde,
continua inteiro,
E acaba sendo
o Campeão Brasileiro?